Notícia

Artigos

23/01/2020 - 12h33

RH precisa dessa corrente; não soltem as mãos é o tema de Maroni J. Silva

Seu artigo é baseado no livro Gestão de Pessoas no Século XXI

 

Por Maroni J. Silva*

 

 

A necessidade de equiparar a produtividade do trabalho com os altos níveis de desempenho demandados pelos novos modelos de negócios torna cada vez mais urgente a reconfiguração do RH. A mudança se impõe ainda mais face ao cenário impulsionado pela Quarta Revolução Industrial, o qual requer mão de obra polivalente e de perfil humanista. Buscam-se pessoas de alta performance, capazes de compartilhar ideias e trocar experiências entre as equipes, adotando comportamento tolerante e alinhado com os valores estratégicos das organizações.

 

Gestão de Pessoas no Século XXI – Desafios e tendências para além de modismos, livro recém-lançado, em São Paulo, pela Tiki Books, traz abordagens inéditas sobre como capacitar, treinar e gerir o capital humano em estruturas complexas, a fim de se tornarem flexíveis e dinâmicas. O conteúdo dos artigos oferece um arsenal de ferramentas teóricas e práticas que extrapola o fundamento de soluções normalmente disponibilizadas pelas tarefas tradicionais de RH, inflacionadas pelas rotinas burocráticas.

 

A publicação é fruto da produção de vários autores, inclusive esse que vos fala, e sinaliza o propósito do Grupo de Pesquisa sobre Gestão Estratégica de Recursos Humanos (GPGERH), liderado por professores da Faculdade de Administração da PUC-SP. O coletivo reúne docentes e pesquisadores ad hoc interessados na construção de um novo paradigma de ensino, que dê suporte cognitivo à bagagem de conhecimento de estudantes e profissionais voltados à gestão estratégica de pessoas.

 

Quando iluminada por princípios éticos e teóricos comprometidos com o aprendizado de qualidade, a pesquisa pode contribuir não só para otimizar a capacitação mas, sobretudo, desfazer mitos e visões preconcebidas que distorcem a percepção de comportamentos e atitudes individuais – para o bem ou para o mal. É o que mostra um dos autores da coletânea, ao abordar, criticamente, o poder das expectativas no desenvolvimento de competências exigidas pelo mercado de trabalho.

 

Outros artigos do livro corroboram com essa visão, ao relatar e analisar fatos e dados em que tais expectativas se traduzem em esperança de melhoria contínua, estigmas e até mesmo preconceitos. Um deles conclui, que adquirindo competências alinhadas com as chamadas soft skills, jovens executivos poderão ter mais chance de se integrarem ao mercado de trabalho, mesmo em cenário de crise e transição. Com isso estariam fora do contingente de novatos despreparados e ameaçados de perder o trem da história.

 

Algumas “minorias” atingidas por expectativas distorcidas, segundo outro artigo, tornaram-se alvo da reificação do preconceito e seus efeitos sociais negativos. O texto refere-se ao racismo algorítmico manifesto por meio de softwares programados para selecionar candidatos com comportamentos de homem branco e heterossexual. Dessa forma, usa-se a inteligência artificial para impedir uma contratação ou inviabilizar o empoderamento de pessoas, cujo pertencimento em uma organização não é benquisto, caracterizando – aí sim – um caso típico de “ideologia de gênero”, além de preconceito racial implícito.

 

Mulheres altamente escolarizadas se beneficiam, de certa forma, de seu “lugar de fala” como alavanca meritocrática na hierarquia das empresas. Afinal, educação lhe confere status e prestígio, mas o autor dessa abordagem lembra o impacto negativo de algumas assimetrias tanto no holerite da mulher executiva como no reconhecimento de seus méritos funcionais frente ao desempenho masculino.

 

Do lado oposto desse mesmo espectro social assimétrico encontra-se a empregada doméstica que, graças a sua força de trabalho, facilita a interação da mulher executiva em grandes corporações, destaca o autor do artigo. Na prática, ela tanto agrega valor aos ganhos da diversidade usufruídos pela patroa como contribui para a reprodução da mão de obra feminina de alto desempenho. Mas tais méritos não lhe conferem recompensa nem distinção adequadas, o que revela uma contradição enviesada da diversidade organizacional.

 

É provável que essa invisibilidade resulte do baixo impacto de sua identidade profissional – outro assunto tratado no livro – cuja construção e representação simbólica estão relacionadas a conteúdos pessoais e laborais. No primeiro caso, destacam-se variáveis estruturantes da própria posição do sujeito na pirâmide social. Já o segundo está imbricado com significados que permeiam a imagem das ocupações em geral na sociedade. Nesse campo, alguns são “doutores”, mesmo sem passagem pelo rito acadêmico devido.

 

Por esse itinerário observa-se que, além de capacitação, a educação formal confere um capital cultural aos que a adquirem. Não por acaso, tanto as formas de acesso ao ensino como as políticas de estágio – outras duas temáticas abordadas na publicação – são cruciais sob a perspectiva do trabalho e da cidadania.

 

A primeira experiência prática do recém-formado simboliza um “abre-te sésamo” na carreira, além de uma alavancagem para a organização da vida, à luz da representação social do trabalho, segundo o texto sobre estágio.

 

Estudantes obrigados a dividir a jornada de estudo com a de trabalho precoce são desafiados a encontrar alternativas pedagógicas que compensem o gap de aprendizado formal, como analisa outro artigo. Uma das mais promissoras ocorre quando o jovem aprendiz usufrui da prática adquirida para melhor assimilar a teoria, o que lhe confere um diferencial no aproveitamento de novos conteúdos.

 

Mas essa dupla jornada não ocorre impunemente. Um olhar mais arguto para o equilíbrio trabalho versus vida aponta situações-limites, com impactos negativos tanto no desempenho como no estado físico e psicológico das pessoas, duas temáticas confrontadas no livro, em artigos separados.

 

Um deles concentra-se nas consequências do uso de modelos diferenciados de vínculo empregatício no Porto de Santos. A análise da atuação dos trabalhadores “avulsos” aponta menos satisfação profissional e comprometimento organizacional fluido em comparação com a dos “celetistas”. Esses, além de serem mais jovens e qualificados, ostentam melhor qualidade de vida e forte comprometimento com os contratantes, inclusive afetivo.

 

Focado na psicodinâmica das novas configurações do trabalho, o segundo artigo conclui que a uberização e seus efeitos estão batendo a porta das classes média e alta. O texto associa as mudanças em curso ao surgimento de “sofrimentos e adoecimentos sem precedentes” e defende uma profunda reflexão sobre o atual modus operandi da sociedade global impulsionado pela Quarta Revolução Industrial.

 

No Brasil, a transição tardia do fordismo para a era digital responde também por situações críticas na saúde ocupacional, conforme revela o artigo sobre riscos ergonômicos na Fundição. Em certas áreas desse segmento metalúrgico, os operadores tornam-se presa fácil de acidentes, por falta de treinamento adequado. Ocorre que nem sempre o corpo está fisicamente adestrado para seguir o ritmo da máquina, visando atingir as metas de produtividade desejadas.

 

A eficácia do diálogo entre o empírico e a teoria, para o desenvolvimento de novos conhecimentos, é exemplificada também no artigo sobre conexões entre cultura e diversidade. Ancorado em um caso típico de simbolismo intensivo, o texto aprofunda a discussão sobre a importância da Cultura Organizacional para a efetividade das práticas de diversidade como tecnologias de gestão. Mas ninguém deve soltar as mãos, pois o novo estado da arte da gestão estratégica de RH carece ainda de mais clareza em seu espectro.

 

*Maroni J. Silva é sociólogo, antropólogo e sócio-diretor da Textocon