29/07/2022 - 11h42
O burnout como consequência da falta de reinvenção do formato de trabalho
Uma cultura tóxica não mora apenas no assédio moral, no excesso de horas, diz a advogada Patricia Punder
Patricia Punder*
Até o começo de 2020, o teletrabalho parecia algo distante da maioria dos profissionais no Brasil. Com a chegada da pandemia, as companhias foram obrigadas a buscar alternativas para continuar funcionando e muitas delas adotaram o trabalho remoto, inclusive contratando profissionais em outras cidades ou até países. Agora, com o fim das restrições e necessidade de uso de máscara, a retomada ao trabalho presencial tem acontecido, também, de maneira brusca, gerando muita insegurança e uma enorme carga emocional aos colaboradores em geral.
Ademais, durante a pandemia, pressão emocional, crise financeira de muitas empresas e transformação do mercado, geraram uma insegurança para quem faz parte dessas organizações. O excesso de pressão tem a mesma raiz. O discurso nas corporações é que “precisamos mudar, nos reinventar, criar coisas novas imediatamente”. É tudo para ontem. E isso leva ao ponto de falta de reconhecimento profissional. Porque, ao mesmo tempo em que existe o estresse e a pressão por inovar, os colaboradores não estão sendo reconhecidos.
Uma coisa importante para observar nesse período é a transformação na compreensão das pessoas sobre o que é o trabalho, qual é a troca, qual é o limite. Até que ponto os colaboradores estão dispostos a se esforçar, vestir a camisa das empresas e chegar a situações extremas de síndrome de burnout por uma corporação que aparentemente não enxerga os colaboradores, nem a falta de uma cultura positiva.
Uma cultura tóxica não mora apenas no assédio moral, no excesso de horas… Está no “chefe” que não xinga, mas não olha e nem fala com os colaboradores. Na empresa que não dá voz para que seus funcionários opinem sobre os caminhos do próprio trabalho. Na cultura que despersonaliza o indivíduo e privilegia ainda mais aqueles que já são privilegiados.
É importante reforçar que burnout não é apenas um cansaço, é um esgotamento de recursos psicológicos. Está ligado ao indivíduo e, também, às empresas, ou seja, está correlacionado diretamente com a cultura organizacional e sobre o papel das lideranças.
O líder deve fazer a gestão da entrega. Esse é seu papel principal. Para alguns “chefes”, foi um enorme desafio trocar a sensação – ilusória, que fique claro – de controle das pessoas pelo controle do resultado. Muitos “chefes” trabalhavam na base de ver a pessoa no escritório e sentir que ela está trabalhando, quando poderia estar fazendo compras, no WhatsApp ou perdida em pensamentos.
Não ver o time todos os dias trouxe uma insegurança para esses “chefes” que passaram a buscar esse controle sobre o tempo do outro de formas muito invasivas, como pedindo para as pessoas deixarem a câmera do computador aberta, utilizando softwares de vigilância, enviando mensagens e exigindo respostas imediatas.
Tristemente, essa é a consequência de existirem muitos “chefes” e poucos “líderes” nas empresas, sejam elas nacionais ou internacionais, pois os “chefes” ainda acreditam no ditado popular brasileiro que diz "É o olho do dono que engorda o gado”.
O papel de uma real liderança é fundamental para mudar este triste desenho que se formou em relação ao formato de trabalho e o ambiente que as empresas devem prover para que seus colaboradores possam realmente se sentir mais confiantes e produtivos. O primeiro passo seria reconhecer que existe um problema na cultura organizacional da empresa e realmente tomar as providencias cabíveis para chegar à causa raiz.
Não é uma jornada fácil, principalmente, se a causa raiz do problema for a própria alta direção ou até o presidente da empresa. Decisões difíceis deverão ser tomadas, sob pena da organização vir a sofrer alto turnover, afastamentos ocasionados por doenças mentais e burnout, denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho, enormes quantidades de ações trabalhistas e, por fim, a crise reputacional que fatalmente deve acontecer, pois no mundo atual, as mídias sociais são utilizadas como instrumentos de denúncias, desabafos e de comentários negativos sobre empresas.
Sendo assim, a formato de trabalho está em pleno processo de reinvenção. O papel da liderança deve ser no sentido de buscar nos colaboradores suas opiniões e realmente ouvir as necessidades deles. A produtividade somente aumentou com o trabalho remoto, trata-se de uma falácia quem fala ao contrário. A questão é chegar em um ponto de equilíbrio entre empresas e trabalhadores no qual ambas as partes definam conjuntamente o modelo de trabalho a ser utilizado, onde as trocas sejam justas, respeitosas e, principalmente, saudáveis física e mentalmente para todos.
*Patricia Punder é advogada e CEO da Punder Advogados
Foto: Divulgação/Punder Advogados