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16/09/2024 - 11h17

Novas velhas competências

Para Marcelo Madárasz, a overdose de novos códigos pode afastar as pessoas do que verdadeiramente importa

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

Setembro de 2024 e, em um ritmo absolutamente acelerado, saímos do mundo VUCA, no qual há ênfase para volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, para o mundo BANI, que destaca fragilidade, ansiedade, não linearidade e incompreensibilidade do ambiente. Talvez, ontem já tenham criado outra expressão e, muito provavelmente, o fato de não a conhecermos, aumenta a nossa angústia e nos insere no mundo do FOMO, ou síndrome do fomo, que significa fear of missing out – medo de perder algo, medo de não conseguir acompanhar as atualizações e os eventos–, cujo principal sintoma é a ansiedade e, na tentativa de combatê-la, a pessoa, por exemplo, fica escravizada às redes sociais.

 

Há vasta literatura para cada um desses fenômenos e consequentes tentativas de explicação e compreensão. Se os humanos se perdem nesse mar de letrinhas, o líder tem a sensação clara de pânico por não conseguir acompanhar tudo que é esperado dele, ou que, pelo menos, ele pensa que é esperado.

 

No mundo ESG e de DE&I , no mundo LGBTQIAPN+, aparentemente, além do desconhecimento do que significa cada uma dessas letras e qual a importância delas na gestão de pessoas, há ainda um temor ou vergonha por estar desatualizado, um medo de que o desconhecimento o leve para o perigoso terreno daquilo que não pode ser dito, daquilo que não se tem mais certeza se pode ser ao menos pensado. E isso só aumenta a autocobrança e o sentimento de definitivamente ter perdido algum capítulo.

 

A overdose de novos códigos pode intoxicar as pessoas, que se perdem no que isso representa, e afastá-las, talvez, do que verdadeiramente seja mais importante.

 

Além do sequestro ideológico de alguns termos e temas, há o risco de uma inversão e distorção daquilo que pode ser o mais importante. Um bom exemplo seria a infértil discussão sobre a linguagem neutra ganhando o palco em detrimento do que verdadeiramente seria o empenho para a criação de uma organização ou sociedade com igualdade de oportunidades, equidade no tratamento, respeito a todos e inclusão da diversidade. Por algo mais verdadeiro e conectado à essência da pessoa ou da organização e seu propósito.

 

Talvez, nessa grande jornada que temos que percorrer, e na qual verdadeiramente o letramento é etapa importantíssima para pavimentar a expansão de consciência com consequente criação de um ambiente regido pela ética, estejamos sendo perturbados por distrações que não parecem ser o elemento mais importante da discussão.

 

Recentemente, estive em um congresso de Inovação e Tecnologia, pelo qual passaram mais de 185 mil pessoas em quatro dias de evento, e um fato me chamou muito a atenção: o bloco das palestras, apresentações e painéis das ditas humanidades teve um público ávido por discussões que incluíam a ética e a complexa dinâmica das interações humanas. Isso em meio a discussões cada vez mais intensas a respeito da IA, novas tecnologias e como o homem fará essa intermediação ou essa mediação. Fala-se muito em novas competências, que definitivamente são e serão cruciais, mas acabamos nos esquecendo que não estamos em um mundo de uma coisa ou outra, mas sim de uma coisa e outra.

 

Como dizem na Teoria Integral, do pensador Ken Wilber, incluir e transcender. Temos que incluir esses novos elementos, sem renunciarmos ao mais básico e fundamental, que é levar em consideração o outro ser humano que compõe este cenário. Disse Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Essa frase é muito usada em datas especiais, como o Dia do Psicólogo ou do Profissional de RH, mas nem sempre é levada muito a sério, a exemplo de visão, missão, valores e princípios em algumas organizações. Lindamente descritos em manuais e murais, mas nem sempre vividos no dia a dia da corporação.

 

Às vezes temos a impressão de que há muitas antenas e poucas pessoas antenadas. Muitas vezes, na ânsia de se atualizar com as últimas tendências, perde-se oportunidades únicas. Talvez, um dos caminhos possíveis seja justamente lembrar de coisas simples e valorizar verdadeiramente as pessoas que aparecem em nossos caminhos.

 

Tenho estudado o tema da Diversidade, Equidade e Inclusão e, por esse motivo, resolvi visitar novamente o Centro Nacional de Direitos Humanos e Civis, na cidade de Atlanta, na Georgia. O acervo é riquíssimo e altamente recomendável para quem quer se aprofundar no tema.

 

Ao pegar um Uber para me dirigir ao local, tive a oportunidade de conversar com o motorista, um senhor que nasceu na Nigéria e está nos Estados Unidos há 15 anos. No mesmo dia, outro motorista, também há mais de década morando nos Estados Unidos, nasceu na Eritreia, outro país da África, que, acredito, pouca gente conheça. Muitas pessoas talvez não aprofundassem essa conversa, mas posso lhes garantir que tive uma aula sobre inclusão, que talvez poucos manuais possam ensinar.

 

Na ânsia de conhecer novas competências, e com pânico de não estar se atualizando na velocidade ou profundidade que se deveria, muita gente acaba perdendo excelentes oportunidades como essas.

 

Antes de se lançar no mar das novidades, não se esqueça de quem você é, de onde veio, aonde quer chegar e quem está ao seu lado na jornada que verdadeiramente precisa da sua atenção!

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

 

Foto: Marcos Suguio