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19/09/2024 - 10h55

Licença-paternidade muda o mundo

A visão, a experiência e o voluntariado de Thiago Coelho, cadeira número um da Estrella Galicia no país

 

 

Por Thiago Coelho*

 

Todos sabem que temos cinco dias de licença-paternidade garantida pela Constituição, certo? Errado! A verdade é que esse tema nunca foi regulamentado no país.

 

Tenho o privilégio de liderar uma empresa que tem 60 dias de licença-paternidade mais férias. No mundo corporativo, é preciso que mais gestores passem a adotar a política nas suas organizações e adaptem a empresa para isso – assim como já fazem para as mulheres.

 

No meu caso, tenho a experiência da licença-paternidade como gestor e como pai. Quando retomei as atividades, fui tomado por dois sentimentos arrebatadores.

 

O primeiro foi uma saudade enorme do meu filho. Em 60 dias, vivi muitas coisas que teria perdido se a licença fosse de apenas cinco dias: os olhares, o primeiro sorriso, os novos sons... Eu mesmo cortei o cordão umbilical dele no parto e vi o umbigo cair enquanto trocava sua fralda em uma tarde de segunda-feira! Foi realmente incrível!

 

O segundo foi a preocupação de que, com a minha ausência, nossa família perderia uma pessoa da nossa rede de apoio. São 24 horas por dia dando banho, trocando fraldas, esquentando leite, esterilizando utensílios, preparando fórmula, colocando bebê para arrotar, pegando água, trocando a água quente da térmica, reabastecendo algodão, passando pomada, repondo fraldas... E essas são as minhas tarefas que continuariam existindo mesmo com a minha ausência.

 

Na minha família, somos extremamente privilegiados por termos uma rede de apoio. Mesmo assim, uma pessoa – principalmente o pai ou a mãe – faz falta. É o que diz o ditado: "É preciso uma aldeia para criar uma criança!".

 

Quando o pai volta ao trabalho depois de cinco dias, o umbigo nem caiu, o leite ainda não desceu e a mãe ainda passa por diversos desafios que necessitam de atenção da família. Se considerarmos uma cesárea, como ocorreu com minha esposa, só o tempo de recuperação da mãe é de 45 dias.

 

Por isso, aceitei o convite para ser embaixador da Coalizão Licença Paternidade, a CoPai, uma aliança formada por indivíduos, empresas e instituições que compartilham a visão de estender a licença-paternidade para 60 dias, de forma remunerada e obrigatória.

 

Diversos estudos apontam que o envolvimento ativo do pai nos primeiros anos de vida da criança é crucial para promover seu desenvolvimento integral. Esse período molda a arquitetura cerebral, influenciando habilidades como aprendizado, autoestima e desempenho acadêmico.

 

O pai presente gera cidadãos mais preparados, reduz taxas de evasão escolar, delinquência juvenil e problemas relacionados a drogas e violência doméstica.

 

Há estudos mundo afora que apontam que a licença-paternidade estendida de verdade cria um vínculo entre o pai e a criança que gera maiores chances de o pai se tornar um melhor cuidador e de permanecer mais tempo no cuidado da criança ao longo da vida dela. Por consequência, existe uma menor probabilidade de abandono familiar, o que é positivo para um país em que 12% das crianças saem da maternidade sem um pai na certidão de nascimento.

 

Esse abandono é uma demonstração do machismo estrutural da nossa sociedade, tão enraizado que, geralmente, passa despercebido em frases bem-intencionadas. Para muitas pessoas que conto do período de 60 dias de licença mais férias, o comentário é: "Ótimo, você pôde ajudar a sua mulher". Quero reforçar que a parentalidade e as tarefas domésticas não são exclusivas da mulher. Fora amamentar, que é a única coisa que eu realmente não posso fazer por questões biológicas, todas as atividades podem e devem ser compartilhadas igualmente.

 

Cuidar da minha casa e do meu filho é colocar meus 120%, assim como minha esposa coloca os 120% dela. É entender que a igualdade começa em casa, na divisão justa das responsabilidades. O homem não está fazendo um favor, ele está apenas fazendo o que é o papel do pai.

 

Hoje, a responsabilidade de cuidar dos filhos e das tarefas de casa é carregada quase que exclusivamente pelas mães. Essa sobrecarga é uma das principais causas do adoecimento mental das mulheres. A frase "estou exausta" é muito comum e reflete o peso das responsabilidades e da culpa que recai sobre as mães.

 

Quando homens e mulheres compartilham as responsabilidades parentais, criamos a base para um mercado de trabalho mais igualitário. A diferença salarial que existe entre gêneros está diretamente relacionada à maternidade, especialmente pela dificuldade de conciliação entre os cuidados com filhos e um trabalho intenso. Isso tem um nome bem ilustrativo: penalidade materna.

 

É por isso que, segundo o Banco Mundial, as mulheres têm mais probabilidade de participar do mercado de trabalho em países onde há licença-paternidade estendida e remunerada.

 

O Departamento de Estado Americano estima que a redução de 25% na diferença de gênero no mercado de trabalho já poderia aumentar o PIB global em mais de 5 trilhões de dólares nos próximos anos.

A licença-paternidade muda o mundo. Mas como fazer isso?

 

O primeiro passo é influenciar os legisladores para que a extensão seja legislada com a qualidade e a velocidade que merece. É o que nós estamos fazendo na CoPai junto com uma frente parlamentar diversa.

 

Exemplos de empresas que já adotam essas práticas não faltam e tenho certeza de que todas elas receberão de braços abertos qualquer um que queira copiar com orgulho as ações implementadas. Meu convite é para que trabalhemos todos juntos, especialmente as pessoas em posição de poder, para criar um futuro em que os pais possam estar realmente presentes nos primeiros momentos de vida dos seus filhos. E, também, para que toda a sociedade possa colher os benefícios associados à licença-paternidade estendida.

 

*Thiago Coelho é diretor-geral da Cervejaria Estrella Galicia Brasil

 

 

Foto: Divulgação/Estrella Galicia