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18/10/2024 - 17h42

Parar de perder tempo exige coragem - Um novo olhar sobre gestão e produtividade

Nossa colunista Clarissa Medeiros fala das necessárias atitudes para fazer as pazes com o relógio

 

Por Clarissa Medeiros*

 

Como gestores, somos constantemente pressionados a fazer mais em menos tempo, liderando equipes e garantindo entregas de alto impacto. A sensação de urgência nunca desaparece, as demandas parecem se multiplicar, e o tempo se torna um recurso cada vez mais escasso.

 

Nesse cenário, mesmo após muito estudo em uma vasta gama de técnicas de autogerenciamento e planejamento, a verdade é que, por mais que se tente, o tempo parece sempre insuficiente.

 

No entanto, por trás dessa constante corrida contra o relógio, existe um fator menos evidente, mas igualmente poderoso: a dificuldade de dizer “não”.

 

Vivemos em uma cultura altamente competitiva, onde a produtividade está intimamente ligada ao valor profissional e, muitas vezes, à autoestima. Negociar prazos ou admitir que algo não pode ser feito a tempo é percebido como fraqueza ou até incompetência. Essa dinâmica alimenta a sensação de estar sempre em débito com o tempo e com as expectativas alheias.

 

Byung-Chul Han, no livro A Sociedade do Cansaço, fala sobre como a exaustão tornou-se uma característica da vida contemporânea. Ele descreve a cultura atual como "uma sociedade de desempenho", onde somos incentivados a superar continuamente nossos próprios limites.

 

No entanto, essa busca incessante não é saudável. A longo prazo, o que vemos é um aumento nos casos de burnout, insatisfação e resistência às demandas da vida organizacional.

 

Gabor Maté, em seu livro O Mito do Normal, aborda outro aspecto crucial dessa questão: o impacto da cultura tóxica na saúde mental e física. Maté argumenta que muitos dos traumas e doenças que observamos hoje são sintomas de uma sociedade que coloca o desempenho acima do bem-estar.

 

E, para sair desse ciclo, é necessário, antes de tudo, coragem.

 

É PRECISO DIZER “NÃO”

Parar de perder tempo é, essencialmente, um ato de coragem. Requer dizer "não", mesmo quando sentimos a pressão de dizer "sim".

 

Requer enfrentar o medo de sermos julgados, de sermos vistos como menos capazes ou comprometidos. Para muitos líderes, essa é uma barreira significativa. Em meu trabalho com profissionais de diversos setores, percebo que até mesmo gestores em altos cargos têm dificuldade em estabelecer limites claros e em priorizar de forma eficaz.

 

Sem essa coragem, a sobrecarga de trabalho se torna inevitável. E isso afeta não apenas a produtividade, mas também a saúde mental e emocional dos profissionais. Para ser verdadeiramente eficaz, a gestão do tempo deve ir além de técnicas organizacionais: precisa envolver uma avaliação crítica sobre o que realmente importa.

 

O PAPEL DOS GESTORES E PROFISSIONAIS DE RH

Aqui entra também o papel crucial dos profissionais de Recursos Humanos, que, além de enfrentarem as mesmas pressões, têm a responsabilidade de promover uma transformação cultural dentro das empresas. No entanto, como promover um ambiente mais saudável quando eles próprios estão sobrecarregados?

 

A resposta pode estar na construção de programas de desenvolvimento que abordem não apenas a produtividade, mas também a importância de limites saudáveis e de uma cultura de bem-estar.

 

A autoconsciência é um fator chave nesse processo. Conhecer os próprios limites, vulnerabilidades e necessidades é fundamental para se posicionar de maneira firme, mesmo diante de uma cultura que valoriza o excesso de trabalho.

 

Assim, cabe a todos nós, gestores, sermos os primeiros a dar o exemplo, cultivando uma cultura organizacional que valorize tanto o desempenho quanto a saúde mental e o equilíbrio.

 

"As demandas que a sociedade moderna impõe sobre nós, muitas vezes em conflito com nossas necessidades emocionais e psicológicas, criam um ambiente tóxico. Nos adaptamos àquilo que nos adoece, aceitando a exaustão, a ansiedade e a falta de tempo como normais. Mas a verdadeira cura começa quando reconhecemos o impacto dessa cultura sobre nosso bem-estar e temos a coragem de dizer não." – Gabor Maté em O Mito do Normal - Trauma, Doença  e Cura em uma Cultura Tóxica

 

 

*Clarissa Medeiros é mentora de lideranças, palestrante, sócia-fundadora da Clarity Global e colunista do portal Gestão RH

 

 

Foto: Daniela Toviansky