24/10/2024 - 12h23
Como a corrida contra o tempo sabota as relações corporativas
A falta de tempo para dialogar profundamente torna colegas meros "recursos", diz a consultora Valéria Oliveira
Por Valéria Oliveira*
Vivemos uma era em que o tempo, esse recurso incontrolável e implacável, dita o ritmo de nossas vidas, principalmente no ambiente corporativo. Há uma tensão latente entre a urgência das entregas e a profundidade das relações que estabelecemos dentro desse universo. Empresas são feitas de pessoas, e, no entanto, o fator humano parece, muitas vezes, ocultado pela corrida desenfreada contra prazos cada vez mais apertados. Como essa limitação temporal impacta as relações corporativas? E, mais profundamente, que vulnerabilidades emergem quando somos forçados a priorizar a eficácia à custa da conexão genuína?
O tempo não só limita nossa capacidade de realizar tarefas, mas também afeta profundamente a qualidade de nossos vínculos interpessoais. O conceito de "networking" se tornou quase sinônimo de sucesso profissional, mas a realidade muitas vezes revela um networking superficial, transacional.
A troca de cartões de visita, as reuniões rápidas, os almoços de negócios parecem mais uma coreografia cronometrada do que uma verdadeira construção de confiança. Não há espaço para vulnerabilidades num cenário em que se espera que estejamos sempre prontos, eficientes e intocáveis. E, no entanto, é justamente na vulnerabilidade que reside a autenticidade das relações humanas.
As exigências corporativas contemporâneas colocam uma pressão insustentável sobre os indivíduos. Pede-se eficiência em um cenário de sobrecarga, inovação em um contexto de distração constante e colaboração em um ambiente onde as interações são frequentemente esvaziadas de significado. Em consequência, as relações se tornam frágeis.
A falta de tempo para dialogar profundamente transforma colegas em meros "recursos" — peças em uma engrenagem que precisa rodar mais rápido a cada dia. Essa desumanização cria brechas perigosas para a erosão da confiança, da empatia e do comprometimento mútuo.
Além disso, a escassez de tempo promove a cultura do imediatismo, que não só mina a capacidade de aprofundamento nas relações, como também perpetua a ilusão de que produtividade é sinônimo de conexão. No entanto, conexões reais demandam tempo: tempo para escutar, para observar sutilezas, para construir uma história comum. O mundo corporativo, em sua voracidade por resultados, tem priorizado o que é rápido em detrimento do que é sólido, criando uma atmosfera de relações frágeis, vulneráveis a qualquer frustração ou mudança de interesses.
Existe também uma vulnerabilidade emocional silenciosa, muitas vezes negligenciada: a incapacidade de lidar com o fracasso, tanto individual quanto coletivo. Quando o tempo é escasso, os erros tornam-se inaceitáveis, e, por conseguinte, o espaço para o aprendizado e o crescimento se estreita.
A cultura da perfeição, enraizada na necessidade de entregar resultados no menor tempo possível, gera um ambiente em que admitir uma falha ou pedir ajuda são vistos como fraquezas. As vulnerabilidades emocionais são encobertas por um verniz de eficiência que, na verdade, mascara o desgaste interno e a desconexão entre os membros de uma equipe.
O que fazer, então, diante dessa realidade? Talvez seja necessário um repensar profundo sobre o valor do tempo nas relações corporativas. Paradoxalmente, o tempo que gastamos para fortalecer uma relação no presente é o mesmo que nos permitirá agir com maior confiança e fluidez no futuro. Relações baseadas em confiança e empatia não são apenas mais humanas, mas também mais eficazes em longo prazo. Não se trata de uma escolha entre produtividade e conexão, mas de compreender que as duas estão profundamente entrelaçadas.
A vulnerabilidade, muitas vezes vista como fraqueza, pode ser a chave para construir laços corporativos mais autênticos e resilientes. Reconhecer as limitações impostas pelo tempo e criar espaços onde se possa expressar incertezas, compartilhar dúvidas e dialogar honestamente é, talvez, uma das maiores forças que uma organização pode cultivar. Afinal, é na interseção entre a eficiência e a empatia que as relações verdadeiramente florescem. O tempo, por mais escasso que seja, precisa ser moldado como um aliado, não um inimigo.
Por fim, o futuro das relações corporativas dependerá da nossa capacidade de humanizar o tempo. De dar espaço para que as conexões ultrapassem as barreiras do imediato e do funcional. Somente assim poderemos evitar que as vulnerabilidades geradas pela limitação do tempo se transformem em rupturas permanentes nas estruturas das organizações.
* Valéria Oliveira é especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura
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