28/10/2024 - 13h34
Conversas corporativas: quem somos, de fato, quando falamos com o outro?
Quantos líderes estão dispostos a se despir de suas armaduras? A pergunta é da consultora Alessandra Canuto
Por Allessandra Canuto*
A liderança não é um território de certeza. É, na verdade, uma travessia através de uma paisagem em constante mutação, onde o diálogo se torna a principal bússola. No entanto, há momentos em que as palavras, em vez de unirem, parecem construir muros invisíveis. Essas são as conversas difíceis, aquelas em que tanto o líder quanto seu interlocutor sentem que a travessia está prestes a se complicar.
Nesse cenário, o líder se depara com três principais espelhos: o liderado, os pares de outras áreas e o próprio líder a quem responde.
Entre o líder e o liderado, há uma tensão constante: de um lado, a autoridade inerente ao cargo, de outro, a humanidade compartilhada. A dificuldade da conversa, muitas vezes, nasce dessa fricção. Quando um líder precisa dar feedback negativo, corrigir um rumo ou abordar questões comportamentais, ele não está apenas falando com o profissional, mas com a pessoa que carrega suas próprias inseguranças, expectativas e medos.
Uma pesquisa da AL+ People & Performance Solutions, dentre nove tópicos disponíveis para votação, a falta de comunicação é o problema que mais incomoda os líderes da área, e foi citada por 82,61% dos entrevistados. A preocupação com feedback aparece em segundo lugar, com 49,8% dos entrevistados citando a necessidade de desenvolver essa habilidade nas equipes.
Aqui, a vulnerabilidade se torna um paradoxo. A sabedoria do líder não está na imposição de poder, mas em reconhecer a fragilidade das relações humanas. O erro mais comum é tratar a conversa como uma performance de controle, quando, na verdade, é um momento de exposição. A transparência, em sua forma mais crua, pode transformar o desconforto inicial em uma oportunidade de crescimento mútuo. Mas quantos líderes estão dispostos a se despir de suas armaduras?
O líder e seus pares: navegando um oceano de egos e interesses
A conversa entre líderes de diferentes áreas revela outro desafio. Aqui, o terreno não é apenas o desempenho de uma equipe ou a produtividade de um departamento, mas a interseção de agendas, egos e visões de mundo. O espaço onde essas conversas ocorrem é um campo minado e cada palavra pode ser interpretada como uma ameaça ou um gesto de aliança.
Em um ambiente corporativo onde a competitividade é latente, a franqueza é um risco calculado. Líderes que conseguem transitar nesse oceano de interesses opostos são aqueles que dominam a arte da escuta ativa, que compreendem que cada silêncio, pausa ou mudança de tom carrega um subtexto. As conversas difíceis com os pares não são apenas um embate de ideias, mas uma coreografia de influências. Quem cede? Quem impõe? O jogo, muitas vezes, é menos sobre o que é dito e mais sobre como se navega o não dito.
Em vez de se concentrar em quem impõe ou cede, é fundamental reconhecer o território comum que une todos os envolvidos. Isso implica identificar valores, dores e aspirações compartilhadas, estabelecendo uma base sólida que transcenda metas individuais. Ao iniciar a conversa com um foco nas semelhanças e não nas diferenças, cria-se um ambiente propício para a colaboração, onde as ideias podem fluir livremente e as emoções podem ser expressas sem medo de represálias. Nesse espaço seguro, as influências e interesses podem ser negociados, permitindo que as partes encontrem soluções criativas que satisfaçam a todos, ao mesmo tempo que fortalecem a relação entre líderes, fomentando uma cultura de respeito e cooperação.
O líder e seu superior: A dança entre expectativas e realidade
Se o líder é o porto seguro para o liderado, ele próprio busca essa segurança em seus superiores. Porém, quando as expectativas de performance, cultura organizacional e visão estratégica se chocam com a realidade vivida por quem está no campo de batalha, a conversa se torna um dilema. Como desafiar as expectativas irreais de quem está no topo sem parecer frágil ou incapaz?
A conversa com o líder superior é uma dança delicada entre honestidade e diplomacia. De um lado, o desejo de ser ouvido e de apresentar as limitações do cenário real, de outro, a necessidade de demonstrar capacidade e controle. A vulnerabilidade, aqui, assume um novo contorno: como mostrar a verdade sem expor as próprias limitações de maneira que prejudique a confiança?
Utilizar dados concretos e exemplos específicos pode ajudar a contextualizar as limitações do cenário atual, transformando a vulnerabilidade em uma oportunidade para fortalecer a confiança. Ao mesmo tempo, é importante expressar não apenas os desafios, mas também as estratégias e soluções em potencial que podem ser implementadas. Essa combinação de honestidade em relatar a situação e assertividade em sugerir caminhos a seguir demonstra proatividade e responsabilidade, permitindo que a conversa flua de maneira construtiva e colaborativa, fortalecendo a relação de confiança entre líder e liderado.
O intrigante jogo de espelhos
O que une essas três esferas de conversas difíceis é a natureza reflexiva da liderança. Cada interação é como olhar para um espelho multifacetado, onde o líder vê não apenas o outro, mas a si mesmo. O que torna essas conversas desafiadoras é o fato de que elas não são apenas sobre resolver problemas imediatos, mas sobre como o líder percebe, interpreta e influencia as dinâmicas humanas ao seu redor.
Conforme navegamos por esses diálogos, nos deparamos com uma verdade inescapável: liderar é, acima de tudo, uma jornada de autoconhecimento. A maneira como um líder lida com as conversas difíceis revela muito mais sobre ele do que sobre aqueles com quem interage. Afinal, em cada diálogo, há um eco de nossas próprias inseguranças, ambições e valores.
E, ao final de cada conversa, o que resta é a pergunta que nunca cessa: quem somos, de fato, quando falamos com o outro?
*Allessandra Canuto é mentora relacional e expert nas disciplinas comportamentais
Foto: Divulgação