
24/03/2025 - 17h29
A solidão do líder
Em artigo, a especialista Valéria Oliveira aborda o peso invisível do comando e a falta de apoio nas organizações
Por Valéria Oliveira*
A ascensão à liderança é frequentemente vista como um marco na carreira profissional, um sinal de conquista, maturidade e competência. Um momento de celebração, de reconhecimento e de novas possibilidades. Mas o que pouco se discute é o que vem depois: o peso invisível desse cargo, a solidão que acompanha aqueles que assumem posições de liderança.
Segundo a Global Leadership Forecast da Development Dimensions International, 60% dos líderes afirmam sentir-se completamente exaustos ao final do dia. Mas não é apenas a carga de trabalho que os consome. É a pressão constante para acertar sempre, a expectativa de serem fontes inesgotáveis de respostas, a ideia implícita de que devem ser fortes o tempo todo, sem margem para dúvidas ou fragilidades.
Há uma premissa silenciosa, quase automática, de que, ao se tornar líder, a pessoa de repente "ganha" todas as respostas, domina todas as habilidades necessárias e está plenamente preparada para enfrentar qualquer desafio sem precisar de suporte. Mas essa é uma narrativa falha e perigosa.
Na realidade, quanto mais alto o cargo, menos feedback o líder recebe. Seus pares o veem como concorrente, seus subordinados o enxergam como uma figura de autoridade intocável e, paradoxalmente, seu próprio líder assume que ele já sabe tudo o que precisa. Assim, os líderes passam a operar no escuro, sem referências, sem devolutivas, sem a chance de calibrar seu desempenho. E isso gera um vácuo emocional e profissional.
Um estudo da FIA (Fundação Instituto de Administração) mostrou que cerca de 20% dos trabalhadores brasileiros sentem que não recebem feedback suficiente de seus gestores. Agora, imagine esse número dentro dos níveis hierárquicos mais altos. Quantos diretores, vice-presidentes e CEOs são acompanhados de perto? Quantos recebem suporte? Quantos têm um espaço para refletir e se desenvolver?
O problema se agrava em empresas que ainda operam sob a lógica do comando e controle, onde admitir dificuldades pode ser visto como fraqueza. Nessas organizações, demonstrar vulnerabilidade pode ser interpretado como falta de preparo, o que faz com que muitos líderes guardem para si suas dúvidas, medos e dilemas. E o resultado é previsível: uma liderança isolada, distante e, muitas vezes, sobrecarregada a ponto de se tornar ineficaz.
Esse ciclo precisa ser quebrado. Empresas precisam cultivar um ambiente onde o feedback seja constante e não apenas para os colaboradores da base. O líder também precisa de retorno, de orientação, de momentos de escuta. Criar programas de mentoria, coaching e redes de apoio é essencial para que essas pessoas encontrem espaço para trocar experiências e amadurecer suas práticas de liderança.
Mais do que isso, é preciso desconstruir a ideia de que vulnerabilidade e incompetência caminham juntas. Pelo contrário, um líder que reconhece suas limitações e busca evoluir tem muito mais potencial de inspirar, engajar e conduzir sua equipe do que aquele que se fecha em uma armadura de autossuficiência artificial.
A solidão da liderança não é um destino inevitável. Mas, para combatê-la, é preciso mudar a forma como enxergamos o papel do líder dentro das organizações. Afinal, ninguém se torna um líder pleno no momento da nomeação. Liderança é um aprendizado contínuo, e todo aprendizado precisa de apoio, de escuta e de troca.
*Valéria Oliveira é especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura
Foto: Divulgação